LGPD, dados sensíveis nas campanhas eleitorais e Estado Democrático de Direito

Por Alinne Gomes e Amanda Aciari

Conhecida como LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/18), foi aprovada pelo Senado Federal no mês de agosto deste ano e aguarda sanção do presidente para entrar em vigor. Apesar disso, as sanções e multas trazidas pelo dispositivo só passarão a valer a partir de 2021.  A lei tem como propósito criar um cenário de segurança jurídica, com a padronização de normas e práticas para promover a proteção, de forma igualitária e dentro do país e no mundo, dos dados pessoais dos indivíduos.

Um dos grandes debates sobre a Lei Geral de Proteção de Dados é relativo à sua vigência e sua eficácia imediata.Com a aprovação pelo Senado meses antes do pleito eleitoral, discute-se se as disposições já valerão para as eleições municipais de 2020. Afinal, embora apresente significativos avanços para a cultura de tratamento de dados pessoais no país, não traz especificidades sobre o tratamento de dados pessoais no âmbito eleitoral, deixando candidatos, partidos e campanhas com diversas perguntas sem resposta, como por exemplo se os dados coletados pelos partidos são, em sua integralidade, dados sensíveis, eis que tratados para fins políticos.

A nova lei trouxe um arcabouço jurídico de proteção e defesa dos dados pessoais sensíveis, conceituando-os como “dados pessoais sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural” (art. 5º, II, da LGPD); sendo taxativo o rol de possibilidades de tratamento desses dados pessoais, os quais foram regulamentados na Lei Geral de Proteção de dados, a partir da redação do art. 11.

Apesar de a lei ter sido clara quanto a necessidade de maior grau de proteção aos dados que revelem a opinião política do cidadão, não trouxe uma seção específica sobre o tratamento de dados no ambiente eleitoral, como trouxe para dados controlados pela administração pública e dados de crianças e adolescentes. No entanto,  a utilização desses dados pode intervir no resultado das eleições, de modo a ferir os princípios democráticos, a isonomia e a lisura das eleições, posto que, se a Lei for aplicada agora, as candidaturas que possuem mais recursos financeiros serão beneficiadas porque conseguirão validar seus bancos de dados e realizar as adaptações mais rapidamente, permitindo um contato maior com o eleitorado em relação à candidaturas menores.

Além disso, o questionamento que se faz acerca da aplicação da LGPD é: como normas que regulamentam o uso de dados devem ser interpretadas, garantindo a manutenção do Estado Democrático de Direito, sem manipulações de terceiros? A problemática, portanto, não versa sobre a possibilidade de se tratar dados pessoais ou não, mas, sim, em como regulamentar o seu uso para fins eleitorais, principalmente quando o palco da campanha política for a internet, como ocorre no momento de pandemia atual, colocando a internet em uma posição cada vez mais essencial e delicada.  Dentro do universo amplo de dados do eleitor, a mudança promovida pela LGPD pode criar desequilíbrios específicos ao tornar alguns atores do jogo mais vulneráveis do que outros. Ainda que haja sanção e o texto passe a influenciar diretamente o pleito, as demais dúvidas permanecem, abrindo espaço para outras questões que cairão nas mãos dos advogados eleitoralistas que podem não ter o repertório digital necessário para orientar as campanhas. Com o tempo passando, o período de campanha se aproximando e a migração constante da política para a internet, resta saber se o mundo jurídico conseguirá aplicar a LGPD em suas campanhas sem desconfigurar a própria natureza do debate político.


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