A Lei Geral de Proteção de Dados e as eleições

Assim como já disse Pedro Malan, no Brasil até o passado é imprevisível. No dia 26 de agosto o Senado aprovou uma medida provisória, mas, por uma aplicação regimental afastou um artigo que previa o adiamento para 2021 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Esta manobra provocou uma reviravolta no tema que, embora comemorado com razão pelos defensores da privacidade digital, infelizmente pode impactar de modo negativo as eleições municipais ampliando ainda mais as incertezas sobre o tema, além de fortalecer o indesejável abismo entre os candidatos com elevado patrimônio digital e os candidatos analógicos.

Em uma eleição com expectativa de 750 mil candidatos espalhados por 5.570 municípios, já mergulhada na incerteza gerada pela pandemia que a retira das ruas vedando aglomerações sendo que, em alguns lugares, com impedimento à livre circulação de pessoas, parece evidente que, assim como quase tudo na vida, essa eleição será ainda mais deslocada para o ambiente digital.

Durante a pandemia, as plataformas digitais viraram o único palanque possível para milhares de candidatos e, nesta via infinita digital, a captação, tratamento e utilização de dados se transformou no maior ativo e também no maior desafio de uma campanha eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral ao normatizar a propaganda eleitoral para as eleições de 2020 considerou que a LGPD poderia ter vigência e trouxe, em diversos dispositivos, a previsão de que a aplicação das regras eleitorais deveria respeitar, no que couber, a LGPD.

Mas este imbróglio jurídico sobre a vigência da LGPD que já contou com outros adiamentos e, até dia 26 de agosto, estava afastada dessas eleições pois havia uma medida provisória sobre isso, parece que reforça a insegurança jurídica presente no Brasil, em especial, ao que se refere às eleições e às questões digitais.

Mas vale mencionar que a principal insegurança jurídica do tema veio com os sucessivos e, pouco responsáveis, adiamentos de sua vigência. Uma norma que levou anos para ser aprovada foi adiada como se não houvesse amanhã, mas o problema é que o amanhã pode atingir em cheio as eleições municipais piorando a campanha eleitoral e com isso, a qualidade da própria democracia.

Assim, instaurou-se uma verdadeira esquizofrenia jurídica tanto sobre a data quanto a extensão de sua eficácia. Questões e incertezas sobre o consentimento e anuência diante do uso dos dados estarão no comando do processo eleitoral.

Mas não se pode esquecer que, mesmo sem eventual vigência da LGPD, diversas obrigações já existiam para os partidos políticos e campanhas eleitorais em razão da privacidade de dados. Como já mencionamos em outra oportunidade, não ter vigência da LGPD nunca significou não existir privacidade.

Aqui vale mencionar o julgamento do STF sobre a medida provisória 954/2020 que pretendia regularizar o compartilhamento de dados das empresas de telecomunicação com o IBGE. A falta de transparência do dispositivo ensejou cinco ações sobre sua constitucionalidade no STF.

Neste julgamento que ocorreu em maio deste ano o STF decidiu impedir o compartilhamento de dados pessoais da forma como se pretendia na MP, e fundamentou sua decisão em princípios previstos na LGPD, ainda que esta lei não esteja em vigor.

O cenário construído para o pleito municipal deste ano foi desenhado com limitações e necessidades especiais, tudo em clima de exceção em razão da grave pandemia que vivemos e, há menos de um mês para as eleições municipais, trazer mais dúvidas aos candidatos e partidos políticos, sobretudo no ambiente virtual, que é a única saída para a maioria das campanhas eleitorais do país é ignorar que o processo eleitoral não é um fim em si mesmo, podendo tornar esta eleição ainda mais confusa e apática.

Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie, consultor jurídico e co-fundador do Instituto Liberdade Digital.

Stela R. Sales, advogada em direito digital, pesquisadora do Instituto Liberdade Digital e mestranda na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Alinne Lopes, é advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisadora em Direito Eleitoral Digital no Instituto Liberdade Digital.

Matéria originalmente publicada pelo Valor Econômico, disponível em: <https://valor.globo.com/politica/coluna/a-lei-geral-de-protecao-de-dados-e-as-eleicoes.ghtml>

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