A remoção de conteúdo em período eleitoral

Por Stela Sales e Giovanna Guilhem

Estamos às vésperas de uma campanha eleitoral, momento de suma importância para a democracia no qual alguns direitos fundamentais entram ainda mais em pauta, como é o caso da liberdade de expressão. É por meio deste direito que os candidatos podem apresentar suas propostas e os eleitores manifestarem suas opiniões, com a garantia de que haverá um espaço seguro e aberto para os diversos debates. Porém, o fato de ser um direito fundamental não significa que não carregue seus dilemas: o que acontece quando a liberdade de expressão fere outro direito constitucional, como a privacidade? Quando ela resvala no abuso de poder econômico?

Quem está apto a mensurar e equilibrar princípios fundamentais e apurar e punir abusos?

Em período eleitoral a Justiça Eleitoral é a competente para tratar dos casos pertinentes ao assunto, e ainda que as eleições não sejam um fenômeno necessariamente novo em nosso país, elas ganharam uma nova roupagem ao tornar-se cada vez mais digitais. Se em 2018 tivemos as eleições mais digitais da história, estima-se que as de 2020 sejam ainda mais, agravado pelo quadro de pandemia e quarentena que fez com que ainda mais atividades do nosso cotidiano migrassem para o ambiente online. Diante de tudo isso o questionamento que fica é: como a Justiça Eleitoral enfrenta o desafio de manter um debate político saudável nas redes?

Para este debate alguns dispositivos aparecem de forma fundamental. Um deles é a Resolução do TSE 23.610 de 18 de dezembro de 2019 que dispõe no art. 38 que “a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático”, tornando claro que serão necessárias algumas condições específicas para que ocorra uma intervenção direta tal qual a remoção de conteúdo. Tais condições se assentam nas hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral, conforme expresso pelo § 1º do mesmo artigo supracitado. Observadas as hipóteses acima, a ordem judicial deve fixar prazo não inferior a vinte e quatro horas para remoção do conteúdo, sendo necessário ainda conter a URL do conteúdo específico – quando inexistente a URL, esta pode ser substituída pela URI ou a URN do conteúdo. Nesse ponto faz-se necessário citar a Lei 12.965/14, conhecida como o Marco Civil da Internet.

No artigo 15 do Marco Civil é estabelecido que o provedor de aplicações de internet deve manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, pelo prazo de seis meses. De forma complementar, no artigo 19 é estabelecido ainda que este mesmo provedor só será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiro se, após ordem judicial específica, não tomar as providências determinadas. Essas determinações são importantes e dialogam entre si porque é a partir dos registros de acesso a aplicações de internet que torna-se possível identificar o autor de determinada postagem, já que mesmo quando um post é realizado por um perfil falso, o IP, data e hora não são manipuláveis e devem ter seus registros armazenados por seis meses. A possibilidade de responsabilização das plataformas, por sua vez, é uma forma de aumentar a garantia da remoção de conteúdo somente quando constatado ilícito em ordem judicial, garantindo a liberdade de expressão e evitando a censura.

URL, URI, URN e a remoção de conteúdo

Diante de todo esse cenário de possibilidades, torna-se fundamental saber identificar qual conteúdo que busca-se remover. A URL, URI e URN são identificações possíveis para um conteúdo e não por acaso devem estar obrigatoriamente na ordem judicial emitida. Conhecer esses conceitos é necessário para os operadores do Direito em período eleitoral, afinal, pedir a remoção de um post específico é totalmente diferente de pedir a remoção de um perfil inteiro, com outros milhares de posts que não necessariamente sejam falsos. 

URL vem do termo inglês Uniform Resource Locator, Localizador de Recurso Uniforme, e constitui-se em endereços com informações sobre como buscar um recurso e sua localização. URI, ou Uniform Resource Identifier, Identificador de Recurso Uniforme, é o padrão de documentos com uma curta sequência de números, letras e símbolos e também pode ser definido como a junção de URL e URN. Por fim, URN, Uniform Resource Name, Nome de Recurso Uniforme, segue a mesma linha e identifica recursos na web através de um nome único e persistente, sem necessariamente informar onde localizá-lo na internet, normalmente iniciados pelo prefixo “urn”.

Saber desses conceitos é não somente aumentar a garantia de que o objetivo seja atingido como também evitar que a busca pela proteção de um direito fundamental, como a honra, gere danos à outro direito fundamental, como a liberdade de expressão.

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